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Transferência

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TRANSFERÊNCIA NA PSICANÁLISE: UM CONCEITO FUNDAMENTAL Etimologia: Transferência : do latim  transferre , composto de  trans-  (além, para o outro lado) e  ferre  (levar, carregar). Literalmente, “carregar para outro lugar”. A transferência é um dos pilares da teoria e da clínica psicanalítica. Trata-se de um fenômeno central, descrito inicialmente por Sigmund Freud em 1895, mas sistematizado em sua complexidade a partir de 1905, sobretudo no caso clínico de Dora ("Fragmento da análise de um caso de histeria"). É através da transferência que o passado irrompe no presente da análise. O paciente desloca para a figura do analista os afetos, fantasias, desejos, medos e expectativas que foram originalmente dirigidos a figuras significativas de sua infância - sobretudo os pais. O termo “transferência” vem do latim trans-ferre , que significa literalmente “levar através”, “transportar”. No campo psicanalítico, significa transportar sentimentos de uma relação passada pa...

Auto Busca

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Não basta querer. O querer, por si só, é faísca sem lenha, é impulso sem direção. Desejar é humano, mas desejar sem ação é o mesmo que sonhar com os olhos cerrados e permanecer deitado à margem da própria existência. O querer é o início, sim, mas é apenas o primeiro passo no abismo entre o ser e o vir a ser. Dedicar-se - eis o verbo que lapida o bruto da vontade. É no labor silencioso, repetido, solitário, que a alma se afina com o tempo. Dedicar-se é aceitar o sacrifício do conforto em nome de uma construção interna que ninguém aplaude, mas que tudo transforma. A psicanálise nos ensina que somos atravessados por forças que muitas vezes desconhecemos - pulsões, traumas, repetições. Mas também nos revela que é possível escavar essas camadas com coragem e paciência, como quem escuta o eco de um martelo em pedra bruta. Autoaperfeiçoar-se é um chamado ético. Não se trata de tornar-se perfeito - isso é ideal neurótico. Trata-se de tornar-se mais consciente, mais inteiro, mais honesto dian...

Gratidão

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Gratidão: quando o coração aprende a lembrar Há um gesto invisível que salva o ser humano do desamparo: a gratidão. Não aquela aprendida por convenção social, que agradece com os lábios, mas a gratidão que pulsa do íntimo, quando o ser reconhece que algo bom lhe foi dado sem exigência de retorno. É memória viva do bem recebido. É o corpo dizendo sim à vida, apesar de tudo. Etimologia: um nome antigo para um sentimento essencial A palavra "gratidão" deriva do latim gratia , que significa graça, favor, benevolência. Está ligada ao termo gratus , que quer dizer agradável, bem-vindo, digno de reconhecimento. A raiz é a mesma que forma graça  - aquilo que excede, que vem além do merecimento. Gratidão, assim, carrega em sua essência o sabor do imerecido. Não se trata de dívida, mas de reconhecimento. O cérebro que agradece: o que a ciência nos revela A neurociência vem confirmando o que a experiência humana já sabia em silêncio: ser grato faz bem. Estudos com neuroimagem mostr...

Ansiedade - Conceito básico

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O que é ansiedade, suas raízes e sintomas Ansiedade é aquele desconforto difuso, persistente, que não sabe dizer exatamente “por quê” - diferente do medo, que é sempre ligado a algo específico . Fisicamente, ela se manifesta como coração acelerado, tremor, sudorese, falta de ar, tensão corporal, irritabilidade, insônia, cansaço constante e dificuldade de concentração - sintomas bem reais que mexem com a vida cotidiana ( en.wikipedia.org ). A etimologia vem do grego “ánxios” , que significava “angustiado, oprimido”, termo que inspirou os primeiros usos médicos no século 19. A palavra “pânico” vem de Pan , o deus grego que assustava viajantes nos bosques . Quando começa e por que A ansiedade costuma aparecer na adolescência ou início da vida adulta - entre 15 e 35 anos , segundo estudos clínicos . As causas são múltiplas: 🧬 Genética : estudos com gêmeos sugerem 25–40 % de hereditariedade ( en.wikipedia.org ) 🧠 Neuroquímica : desbalanços de GABA, serotonina, norepinefrina, c...

Deslocamento e Condensação

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Deslocamento e Condensação - Típicos do Trabalho do Sonho e as Noções Linguísticas de Metonímia e Metáfora. No palco noturno da alma, onde o inconsciente escreve sem censura, o sonho trabalha como um poeta enigmático. Freud nomeou dois de seus artífices principais: deslocamento e condensação  - engrenagens do processo primário, mecanismos do Trieb , onde o desejo se disfarça para atravessar o muro da censura psíquica. Condensação , do latim condensare (“tornar denso, espesso”), é a fusão de múltiplas ideias, imagens ou lembranças em um só elemento onírico. É como se o sonho fosse uma tapeçaria onde fios diversos se entrelaçam num único nó simbólico. Um rosto sonhado pode conter os traços da mãe, do amor perdido e de um medo antigo - tudo ao mesmo tempo. Lacan viu nisso o parentesco com a metáfora , onde um significante substitui outro, criando sentido por superposição. Deslocamento , do latim dislocare (“tirar do lugar”), é o truque do inconsciente para desviar o foco do desej...

Solstício de Inverno

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O solstício de inverno — do latim solstitium , “sol parado” — é o instante em que o Sol se detém, imóvel no céu, como se respirasse fundo antes de retornar. É a noite mais longa, o auge da escuridão. Mas é também o berço da luz. Nele, o tempo se curva, o cosmos sussurra à alma: “espera, pois renascerás.” No Hemisfério Sul, o solstício de inverno, que marca o início da estação, ocorre hoje dia 20 de junho, às 23:42hm no horário de Brasília, em 2025. Na simbologia arquetípica, representa o mergulho no inconsciente, o momento em que a psique toca seu ponto mais escuro, como Jonas no ventre do grande peixe, como Cristo na tumba, como o herói que desce aos infernos para reencontrar sua centelha. É a travessia da sombra que antecede o ouro da manhã. Freud chamaria isso de retorno ao recalque; Jung, de confrontação com a Sombra. É o ponto da virada. Filosoficamente, o solstício é um lembrete do eterno retorno — ideia cara aos estóicos e a Nietzsche. Tudo declina para depois ascender. Morrer é...

Bhagavad‑Gītā - Filosofia e Psicanálise

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A Bhagavad‑Gītā (ou “Canção do Senhor”) é um diálogo filosófico de imenso valor para a mente humana, situado no épico Mahābhārata . O texto desfila 700 versos distribuídos em 18 capítulos, onde Krishna , avatar de Vishnu, guia Arjuna , o guerreiro paralisado pela crise moral, às vésperas da batalha de Kurukshetra ( britannica.com ). Importância filosófica A Gītā harmoniza três grandes correntes filosóficas da Índia antiga: o sāṅkhya (dualismo matéria / espírito), o karma‑yoga (ação desprendida) e o bhakti (devoção) . Ela responde a perguntas eternas: “Quem sou eu? Qual meu dever? Como agir sem se perder?”. A sentença de Arjuna - “antes da guerra, prefiro a paz da morte” - abre espaço à filosofia como prática existencial . Origem, etimologia e período Bhagavad : do sânscrito bhagavat : “o Senhor, possuidor de glória”. Gītā : “canção”, de gī , “cantar” ( pt.wikipedia.org , pepsic.bvsalud.org ). O título significa “Canção do Senhor” - o canto divino que orienta o Ser. Foi...

Ansiedade, tristeza, depressão e melancolia

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Ansiedade, tristeza, depressão e melancolia: as nuances da dor psíquica Ansiedade, tristeza, depressão e melancolia são experiências humanas distintas, embora comumente confundidas no discurso cotidiano. Cada uma tem uma natureza própria, causas específicas e manifestações singulares no corpo e na mente. Para compreendê-las com profundidade, é necessário olhar para suas raízes etimológicas, seus fundamentos psíquicos e seus efeitos sobre o sujeito. Ansiedade deriva do latim anxietas , que remete ao estado de sufocamento, de inquietação interna. Ela é uma resposta natural do organismo diante de uma ameaça, seja real ou imaginária. Trata-se de uma tensão antecipatória que se manifesta tanto no corpo (taquicardia, sudorese, tremores) quanto na mente (ruminações, medo do futuro, sensação de que algo ruim vai acontecer). Na psicanálise, Freud já apontava que a ansiedade está ligada à angústia de separação, à perda de algo vital ou ao conflito entre pulsões. É uma das primeiras manifestaç...

Yoga Sūtra de Patañjali

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Yoga Sūtra de Patañjali: a psicologia da libertação O Yoga Sūtra de Patañjali é considerado a obra clássica fundamental do Yoga enquanto sistema filosófico. Composto provavelmente entre os séculos II a.C. e IV d.C. , o texto reúne 196 aforismos ( sūtras ) que descrevem o caminho da mente para o silêncio interior, rumo ao kaivalya  - a libertação absoluta da consciência. O nome Patañjali deriva do sânscrito: "pat" (पत्) significa “cair” ou “descer”, e "añjali" (अञ्जलि) é o gesto de mãos em prece. Segundo a tradição, ele “desceu como oferenda divina”. Há controvérsias sobre sua historicidade, mas é comum associá-lo a três obras: uma gramática ( Mahābhāṣya ), um tratado de medicina ayurvédica e os Yoga Sūtras . É possível que "Patañjali" seja um nome simbólico, representando uma linhagem de saber. A importância de sua obra para o Yoga é imensurável. Ele sistematiza o que era uma prática ancestral em oito passos ( aṣṭāṅga yoga ): Yama (condutas éti...

Sadhu - Conceito básico

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Sādhu: o caminhante do espírito Na vastidão do pensamento indiano, a palavra sādhu (साधु) ressoa como um chamado à transcendência.  Etimologicamente, provém da raiz sânscrita √sādh , que significa realizar , atingir um objetivo , fazer com eficácia . Assim, “sādhu” é aquele que alcança o propósito supremo - não no sentido mundano, mas no espiritual: a libertação ( mokṣa ), a unidade com o Absoluto ( Brahman ). Sādhu é o renunciante, o asceta, o devoto que abandona o ego e o desejo para viver uma vida de disciplina ( sādhana ), silêncio e meditação. Ele não pertence ao mundo, embora caminhe nele. Rejeita o efêmero e se consagra ao eterno. O conceito filosófico de sādhu aparece nas grandes escolas da Índia: No Vedānta , sobretudo no Advaita, o sādhu busca dissolver o eu ilusório ( ahamkāra ) na consciência impessoal do Ser. No Sāṃkhya , é aquele que reconhece a dualidade entre espírito ( puruṣa ) e matéria ( prakṛti ) e pratica o discernimento até libertar-se. No Yoga ...

Homem de bons costumes

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🧭 “Um homem que cultiva bons costumes está em paz com o seu superego e em diálogo com sua própria alma.” 🌿 Na visão psicanalítica, os bons costumes não são apenas normas sociais - são construções simbólicas que ajudam o sujeito a lidar com os impulsos do id (Inconsciente) e com as exigências da realidade. Quando o homem age com ética, ele não reprime: ele sublima -  transforma o desejo bruto em gesto nobre. 🎭 Na filosofia, os bons costumes são o alicerce da virtude. Aristóteles dizia que a excelência é hábito. E na alma humana, o hábito do bem molda não só a conduta, mas também o caráter. Um homem de bons costumes é, portanto, alguém que transita com mais leveza entre o desejo e o dever, entre o instinto e a civilização. 🌟 Ser correto não é ser perfeito - é ser coerente com aquilo que se quer ser. 💫 #Ética #Psicanálise #BonsCostumes #Filosofia #Autodomínio #Virtude #Freud #Aristóteles 📚 Referências: FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização , 1930. ARISTÓTELES. Ética ...

Melanie Klein

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🌿 Melanie Klein: um percurso de sofrimento, invenção e psicanálise profunda 🌿 Melanie Reizes Klein nasceu em 30 de março de 1882 , em Viena, Bauerngasse, como a caçula de quatro filhos do médico Moritz (Moriz) Reizes e da enigmática Libussa Deutsch. Sua irmã mais velha Sidonie faleceu com apenas oito anos de tuberculose aos quatro de Melanie, e o irmão Emmanuel morreu aos 20 de tuberculose e complicações medicinais — perdas que marcaram os alicerces emocionais da futura analista ( melanie-klein-trust.org.uk , minnickskleinacademy.com ). Cresceu num ambiente familiar culto, mas permeado por ausências e tensões: a mãe exercia autoridade, o pai oferecia estímulo intelectual . Na adolescência, Klein foi aluna aplicada e sonhava estudar medicina – resultado do exemplo paterno –, chegando a ingressar no Gymnasium aos 16 anos . Porém, aos 21, em 1903 , casou-se com Arthur Klein: um engenheiro químico tio de seus irmãos, e sacrificar sua carreira médica foi uma escolha imposta pelas norm...

Diferenças entre os sentimentos de: Pena, Dó, Compaixão e a Dor do Outro

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No universo dos afetos, convivem sentimentos semelhantes, mas distintos: pena , dó , compaixão e a dor do outro — cada um com raízes psicológicas específicas. Pena e dó se aproximam. A pena muitas vezes nasce de uma posição superior: “que pena dessa pessoa” — um afeto que pode revelar distância e julgamento passivo.  Já a dó traz uma abertura mais humana, reconhecendo a vulnerabilidade: “sinto dó do sofrimento alheio” — ainda centrado na emoção do sujeito, mas com menos escalonamento hierárquico. 🕊️ Compaixão , por outro lado, é entrar no lugar do outro, sentir junto. No grego, “pathos” (sofrimento) com o prefixo “com-” (junto). Nesse gesto se ativa a capacidade empática — com o outro situado no mesmo nível interno. É uma ponte emocional, que pode motivar cuidado real e ação compassiva. 🤝 A dor do outro é o que se apresenta como perceptível: é a cena emocional contextualizada, que pode despertar pena, dó ou compaixão, conforme as defesas do indivíduo. Na ótica da psi...