Deslocamento e Condensação
No palco noturno da alma, onde o inconsciente escreve sem censura, o sonho trabalha como um poeta enigmático. Freud nomeou dois de seus artífices principais: deslocamento e condensação - engrenagens do processo primário, mecanismos do Trieb, onde o desejo se disfarça para atravessar o muro da censura psíquica.
Condensação, do latim condensare (“tornar denso, espesso”), é a fusão de múltiplas ideias, imagens ou lembranças em um só elemento onírico. É como se o sonho fosse uma tapeçaria onde fios diversos se entrelaçam num único nó simbólico. Um rosto sonhado pode conter os traços da mãe, do amor perdido e de um medo antigo - tudo ao mesmo tempo. Lacan viu nisso o parentesco com a metáfora, onde um significante substitui outro, criando sentido por superposição.
Deslocamento, do latim dislocare (“tirar do lugar”), é o truque do inconsciente para desviar o foco do desejo real. Algo importante aparece como irrelevante, e um detalhe banal se agiganta. O afeto se transfere, se esconde em objetos e cenas menores. Isso ecoa o conceito linguístico de metonímia, em que uma parte representa o todo, ou o efeito substitui a causa. No sonho, o desejo não se mostra; ele se disfarça, como um viajante noturno com outra face.
Essas operações mostram que o sonho não mente, mas fala em outra língua. Cabe ao analista, como um arqueólogo da alma, decifrar essa fala. Freud chamava isso de “trabalho do sonho”; Lacan traduziu em linguagem: “o inconsciente é estruturado como uma linguagem.” Assim, o que sonhamos não é o que vemos, mas o que se insinua por trás do véu. Metáforas são pontes. Metonímias, desvios. Ambas escondem - e revelam.
Referências bibliográficas:
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Freud, Sigmund. A Interpretação dos Sonhos. Imago, 2019.
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Lacan, Jacques. Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise. Zahar, 2008.
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Jakobson, Roman. Lingüística e Poética. Cultrix, 1975.
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Dor, Joël. Introdução à Leitura de Lacan. Zahar, 1991.
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