O Mito de Narciso na Mitologia Grega e na Psicanálise Freudiana

Narciso, figura central de um dos mitos mais emblemáticos da mitologia grega, nasceu da união de Céfiso, um deus-rio, e da ninfa Liríope. Segundo a versão mais conhecida do mito, contada por Ovídio em suas Metamorfoses, Liríope foi envolvida pelos braços das águas de Céfiso e, dessa união, deu à luz a um filho de beleza incomparável: Narciso. Ainda criança, Liríope consultou o vidente Tirésias sobre o futuro do menino. Tirésias profetizou que Narciso teria uma vida longa, contanto que nunca visse sua própria imagem.

Ao crescer, Narciso tornou-se um jovem extremamente belo, atraindo o amor de muitas ninfas e mortais. Contudo, ele rejeitava a todos, demonstrando desdém pelos sentimentos alheios. Uma das figuras que se apaixonou por Narciso foi Eco, uma ninfa que havia sido amaldiçoada por Hera a só poder repetir as palavras de outros, incapaz de expressar-se diretamente. Quando Eco tentou se aproximar de Narciso, ele a rejeitou de forma cruel, e a ninfa, profundamente ferida, definhou até restar apenas sua voz.

Diante de tantas rejeições, Nêmesis, a deusa da vingança, decidiu puni-lo. Um dia, enquanto vagava pela floresta, Narciso avistou um belo lago de águas cristalinas. Ao se inclinar para beber, ele viu seu reflexo na água e, ignorando a profecia de Tirésias, apaixonou-se por sua própria imagem. Incapaz de se afastar de sua visão, Narciso permaneceu ali, contemplando-se, até que, consumido pelo desejo inalcançável, morreu. No local de sua morte, nasceu uma flor, a qual foi batizada com seu nome: o narciso.

Narciso na Psicanálise Freudiana

Sigmund Freud utilizou o mito de Narciso para conceituar o que chamou de narcisismo, introduzindo o termo em 1914, em seu texto Introdução ao Narcisismo. Para Freud, o narcisismo refere-se ao investimento da libido (energia psíquica sexual) em si próprio. Ele explica que, no início da vida, o bebê direciona toda sua libido para si mesmo, em uma fase chamada de narcisismo primário. Neste estágio, o bebê ainda não reconhece a existência dos outros como separados dele; tudo o que o rodeia é uma extensão do seu próprio "eu".

Conforme o desenvolvimento psicológico ocorre, a libido começa a ser direcionada para os objetos externos, ou seja, para outras pessoas, numa fase conhecida como narcisismo secundário. Contudo, em algumas circunstâncias, pode ocorrer uma regressão a esse narcisismo, o que resulta em patologias. Freud utilizou o termo "narcisismo" para descrever tanto uma fase normal do desenvolvimento quanto um estado patológico, em que o indivíduo volta a concentrar sua libido em si mesmo de maneira excessiva.

Um exemplo clínico que Freud relaciona ao narcisismo patológico é o caso da esquizofrenia, em que o paciente, ao desligar-se da realidade e das relações interpessoais, volta sua libido exclusivamente para si. Nesse estado, o indivíduo demonstra uma espécie de autoerotismo, desconectado do mundo exterior.

Outro exemplo utilizado por Freud é o caso do amor materno, que para ele representa uma forma particular de narcisismo, uma vez que a mãe vê a criança como uma extensão de si mesma, investindo nele o mesmo amor que anteriormente direcionava ao próprio ego. Aqui, a relação entre a mãe e o filho pode ser vista como uma continuidade do narcisismo primário da mãe, que reencontra no filho uma forma de reviver esse estado.

Na visão freudiana, o mito de Narciso é uma metáfora poderosa para descrever a dificuldade de deslocar a libido para fora de si, o que pode levar a um isolamento emocional e à incapacidade de estabelecer laços afetivos saudáveis. O narcisismo, dessa forma, deixa de ser apenas uma fase transitória e se transforma em um padrão patológico quando o sujeito permanece "encantado" consigo mesmo, tal como Narciso ficou preso ao reflexo no lago.

Ruy de Oliveira .∙.

Referências Bibliográficas

  • FREUD, Sigmund. Introdução ao Narcisismo. 1914. In: Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

  • OVÍDIO. Metamorfoses. Trad. David Slavitt. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1994.

  • LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.-B. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

  • LIMA, P. F. O mito de Narciso e a Psicanálise Freudiana. São Paulo: Revista Brasileira de Psicanálise, 2015.

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